José Eliseu da Silva,
o ZÉ DO CACUPÉ

José Eliseu da Silva é uma dos nomes mais comuns entre todas as combinações de nomes e sobrenomes do Brasil. É difícil ser lembrado por esse nome completo quando existem outros milhões iguais ao seu. Um caricato pescador e comerciante conseguiu se destacar: foi Zé do Cacupé, morador do bairro que ele escolheu agregar como sobrenome, e manezinho da Ilha, certificado até por troféu.

José Eliseu da Silva nasceu em 23 de Abril de 1927, em Cacupé Distrito de Santo Antônio de Lisboa, filho de Eliseu Francisco da Silva, natural de Cacupé, e Tiburcia Rosalina Gaia, natural da Ponta Grossa, hoje Praia do Forte, Distrito de Canasvieiras.

os primeiros vinte anos de vida, ele trabalhou com seu pai, sua mãe e seus sete irmãos na pescaria e na lavoura, até que, em 1948 embarcou num navio da Companhia Hoepcke e foi servir ao Exército Brasileiro no Rio de Janeiro. Lá, ficou quase um ano antes de voltar para Florianópolis, onde prometeu se casar com Zair, a Dona Zinha. Então, partiu para Santos para trabalhar como garçom e padeiro por aproximadamente 3 anos, economizando para voltar para Cacupé.

Em 1951 alugou a casa do Seu João Domingos e abriu sua venda, para posteriormente, em 1952 cumprir sua promessa e casar-se com Zair. Depois de passar algum tempo, Zé fez proposta ao proprietário e adquiriu o terreno. Nos anos 1950 as estradas que ligavam o norte da Ilha ao Mercado Público, local onde o casal fazia suas compras para abastecimento do seu pequeno comércio, eram precárias, por isso era necessário fazê-lo após uma longa jornada pela baía norte em sua canoa a remo e vela.

O trabalho que já era difícil ficou pior por conta do Zé ter contraído poliomielite, deixando uma sequela em sua perna esquerda. Mas ele não se deixou abater e continuou sua luta ao lado de sua esposa a Dona Zinha, pois precisava criar seus filhos e cuidar do comércio, e da pescaria, que também ajudava no orçamento. 
 
Durante todo esse desafio de ter que trabalhar para sustentar a casa, Deus não se esqueceu dele por ser um homem de fé, e lhe trouxe o Elias Romão da Silva, o Tilica, que era filho do Seu Chico, o zelador da Ilha dos Guarás, onde existia um Hospital de isolamento de doenças contagiosas. 

Tilica, juntamente com Dona Zinha, “segurou o rojão”, como se diz, e fazia o transporte de mercadorias para a venda de canoa de Cacupé ao centro da cidade, e de toda a família quando era necessário, no lugar do Seu Zé, que estava convalescendo. Depois de algum tempo quando Zé Eliseu já estava melhor de sua enfermidade, chegava de suas pescarias com seus robalos, linguados, pijarevas, caranhas e tantos outros peixes que trazia vivos do mar, amarrava-os pela boca e deixava-os presos em uma vara para levá-los no dia seguinte ao Mercado Público, pois não havia energia elétrica na época para conservação dos mesmos.

Zé Eliseu, como era conhecido na comunidade, foi um grande credor das famílias cujos provedores tinham que sair para pescar na cidade do Rio Grande (RS), ou ir para Santos tentar a vida assim como ele fora outrora.

Os pais de família iam atrás do sustento, e deixavam uma conta aberta na venda para quando retornassem da safra do camarão, pagassem suas dívidas. Porém muitas vezes vinham de mãos vazias com uma conta grande para pagar na venda, então chamavam seu credor e ofereciam seu patrimônio como forma de pagamento, mas o Zé Elizeu nunca quis se prevalecer da vulnerabilidade financeira de seus contemporâneos, e dizia “Eu espero a próxima safra que será melhor, e aí tu me pagas”.

Assim o fez tantas vezes e a tantas pessoas, e Dona Zair sempre dizia, “O Zé poderia ser o homem com mais terrenos de Cacupé, mas nunca quis se aproveitar dos outros, e isso sempre me orgulhou muito”. Também com a chegada de pessoas vindas da cidade, que foram comprando propriedades dos nativos e tinham Cacupé como um refúgio ou como local de veraneio.

Essas propriedades eram normalmente chácaras grandes ou sítios que deixavam seus caseiros cuidando, com uma conta aberta na venda para os mesmos, que por vezes passavam seis meses ou mais e novamente o Zé Elizeu bancava suas famílias.

Ele foi um dos que lutaram pela chegada da energia elétrica em Cacupé, pois necessitava desse serviço para prosperar em seu comércio, e ter mais conforto para sua família e para as demais da localidade. Com a chegada da energia elétrica, veio a iluminação pública que só existia na praia do Cacupé Grande, onde era responsável pela antiga Elfa, de ligar à noite e desligar pela manhã as luzes que iluminavam a estrada. 

Com o progresso chegando com estradas precárias nos anos posteriores, Zé teve a iniciativa de fazer um abaixo-assinado pedindo ônibus para sua comunidade, pois isso viria a facilitar muito a vida de todos do local, mesmo enfrentando já naquela época resistência de alguns proprietários de terrenos que eram da cidade, e que não queriam o progresso do local, por entenderem que Cacupé era um recanto para descansar. Mas o Zé foi atrás, coletou assinaturas e trouxe o tão esperado ônibus para sua comunidade.

Em dias de chuva, a estrada, que já era ruim, ficava pior, porque Cacupé com tantos morros deixava a circulação dos ônibus quase impossível, então Zé tinha boa amizade com os motoristas, dava aquela conversada e por muitas vezes dividia com eles sua pescaria para que não deixassem de passar por Cacupé, ajudando assim toda a comunidade.


Nessa época, sua venda também era destino dos carteiros dos Correios e Telégrafos, pois o endereço era Rua Geral de Cacupé S/N, e as casas não tinham números, então todas as correspondências ficavam sob sua responsabilidade, até que seus donos viessem procurá-las. Era comum o morador parar o carro e perguntar: “Ô Zé, chegou carta pra mim?”, e ele, como já conhecia todo mundo dizia, “chegou”, ou então “Só semana que vem.”

Certa vez um amigo que foi à Europa disse a ele, “Espera que vou mandar um postal de lá pra ti." Como Zé era muito conhecido por toda a cidade, esse amigo endereçou o cartão postal pra ver se o Zé era conhecido mesmo, “ZÉ DO CACUPÉ - FLORIANÓPOLIS - SANTA CATARINA - BRASIL”, e não é que chegou? 

Com o progresso da estrada e da eletricidade, Zé Elizeu, que já era famoso no Mercado Público e no centro da cidade, começou a ser visitado por pessoas do antigo Iate Clube de Florianópolis (o atual Veleiros da Ilha), que ficava na Praia de Fora na Agronômica, ou por outras que teriam de fazer uma longa viagem de carro do centro até Cacupé.

Pessoas influentes da cidade como empresários, políticos, artistas, radialistas, jornalistas, e até magistrados, e tantos outros que frequentavam sua venda para muitas vezes pedir conselhos do velho comerciante, ou apenas dar uma relaxada após um longo dia de trabalho. 

Já na década de 1970, Zé Eliseu com sua liderança comunitária e política, contribuiu para a instalação da Escola Isolada de Cacupé. Em 1979, sua venda ficou famosa com a visita da artista norte-americana Liza Minnelli, trazida por seu amigo Luiz Henrique Rosa.

No ano seguinte foi Presidente da Diretoria da Capela da Santa Cruz de Cacupé. Com a facilidade de estradas melhores em Cacupé, porém ainda de chão batido, e com a construção da SC 401 na década de 1970, o que facilitou muito as idas e vindas ao centro da cidade, a velha canoa de Garapuvu ficou na praia apenas para levar e trazer o Zé Elizeu das suas pescarias. 

Toda essa facilidade trouxe também os supermercados, que enfraqueceram não só os negócios da venda do Zé do Cacupé, mas todos os pequenos comércios da cidade, fazendo assim com que pequenos comerciantes fechassem suas portas ou migrassem para outro ramo de atividade.


Com seus quatro primeiros filhos já encaminhados na vida (sob duras penas), e o quinto filho, Renato, trabalhando de Office Boy no antigo Gaplan, Gabinete de Planejamento do Estado, mas não estando contente na época com sua vida profissional, Zé Elizeu e a Dona Zinha tiveram a ideia de abrir um pequeno restaurante ao lado da famosa venda, justamente para dar ao filho um posto de trabalho, e encaminhá-lo na vida. Em 27 de novembro de 1987, foi inaugurado o Restaurante Zé do Cacupé, que por um período foi chamado de Estrela do Mar, e no final da década de 1990 voltou ao seu nome original.
Então começou uma nova fase comercial na vida do Zé do Cacupé e da Dona Zinha, com a continuidade da velha venda, e agora com o restaurante que foi idealizado em um momento difícil. 

Os anos se passaram, e o restaurante foi um grande companheiro da sua venda, pois trouxera de volta todos aqueles amigos que outrora haviam conhecido o Zé Elizeu, naquela vendinha humilde do Cacupé.

A vida do Zé ficou mais triste, quando em 1996, seu fiel escudeiro Tilica, que era seu parceiro de pescaria faleceu, e mais tarde, em 2012, sua amada esposa com quem havia construído sua história de trabalho e sucesso também o deixou viúvo. Zé Elizeu ficou firme ao lado de seus filhos até 2019, quando, acometido de um câncer no estômago, faleceu em Cacupé, onde 92 anos atrás havia nascido e também onde deixaria seu legado para sempre. 


Ao longo de sua vida, Zé foi homenageado por diversas pessoas e entidades, entre elas: em 1990, recebeu das mãos do mais ilustre Manezinho da Ilha, Aldírio Simões, o “Troféu Manezinho da Ilha”; alguns Programas do Bar Fala Mané (também do Aldírio Simões) foram gravados com sua participação ao longo dos anos 1990 e início dos anos 2000; em 2010, recebeu o título de Sócio Benemérito da Associação dos Moradores de Cacupé (AMOCAPÉ); em 2014, foi homenageado pelo Exército Brasileiro pelos serviços prestados às Forças Armadas; e em 2015, recebeu da Câmara Municipal de Florianópolis (através do vereador Dinho) a “Medalha Manezinho da Ilha Aldírio Simões”.

Zé do Cacupé também é considerado e nacionalmente reconhecido como figura folclórica de Florianópolis por seu carisma cativante e suas contribuições para com a conservação das tradições locais e do dialeto regional. Por conta de sua personalidade peculiar, foi convidado a participar de vários programas de TV e virou tema de livros e publicações culturais. Seu espírito alegre deu-lhe a facilidade de juntar e animar as pessoas ao seu redor. 

stainless steel cooking pots on brown wooden stick

Por tudo isso, Zé do Cacupé se tornou um dos personagens mais icônicos e queridos de Florianópolis.

Certo dia um antigo amigo dele depois de sua morte disse a Renato, “Teu pai era uma pessoa especial, e essas pessoas não morrem, mas viram lendas.” E aqui nós continuaremos sua linda história neste canto da Ilha que Deus reservou para nós.

Agradeço aqui ao meu pai o Zé Eliseu, a minha querida e guerreira mãe Dona Zinha, ao inesquecível Tilica, a minha esposa Berenice e minhas filhas Heloísa e Letícia, e aos meus cinco irmãos, por me ajudarem a escrever esta bela história.